Por Chico de Oliveira: “Não acredito nem em impeachment nem em renúncia. (…) O sistema capitalista, em suas maiores expressões, mais evidentemente nos EUA e Europa, é assim. Não acaba, mas é medíocre. E nós entramos nessa, já que hoje a economia brasileira é mundialmente importante.”
Entrevista ao Correio da Cidadania (por Valéria Nader e Gabriel Brito)
Correio da Cidadania: O país afunda em crise profunda, econômica, política, social, ética, institucional, hídrica, elétrica… Como vê hoje esse país e qual é a responsabilidade do governo e do PT pela crise?
Chico de Oliveira: A responsabilidade do PT é enorme. Não foi o PT que detonou a crise toda. A questão é que Lula, como líder máximo do partido, aceitou as regras do jogo. Regras do jogo, no capitalismo, especialmente periférico, impõem crises. Não é um passeio tranquilo. Ao aceitar tais regras, como liderança das massas, porque os partidos da oposição, como o PSDB, não possuem tal condição, abriu-se o jogo para as crises.
Ele é uma personalidade capaz de armar o partido para conter crises, inevitáveis dentro do capitalismo, mas pelo menos trabalhando-as sem todo o desgaste. Crises, de toda forma, vão ocorrer.
A oposição não deve pensar, por outro lado, que vai tirar sua casquinha nisso tudo. Ninguém vai. Se o PT tiver uma estrutura melhor de relações, até pode conter um pouco a crise, mas evitá-la é quase impossível.
Correio da Cidadania: Qual o seu olhar sobre as manifestações que tiveram lugar país afora no dia 13 de março (mais governista) e no dia 15 de março (de setores oposicionistas)?
Chico de Oliveira: Essas manifestações são muito boas, porque mostram que a sociedade não aceita passar o tempo inteiro engolindo sapos. Mas daí pra se transformar em força política é um passo que não se pode dar ainda. Nem mesmo a oposição tucana, pois não tem nada a propor. A situação, pró-PT, tampouco tem muito a dizer. Assim, a situação atual, se não é incontornável, é difícil de escapar.
Correio da Cidadania: Acredita que se caminha para uma crise institucional no país, com possibilidades de abertura de um processo de impeachment ou de uma renúncia da presidente? O que resultaria para o país em um tal cenário?
Chico de Oliveira: Não acredito. Seria uma crise muito violenta. Não imagino que ocorra. Não que se saia da situação de forma tranquila, mas não é uma crise institucional. Isso é onda da imprensa. Esta é uma crise que o Brasil tinha tapeado quando ia bem economicamente, enquanto o resto da América Latina e Europa já passavam mal, mas não é uma crise que põe em risco o sistema atual. Quem apostar nisso, estará apostando mal.
Correio da Cidadania: Caso não se configure esse quadro mais ‘violento, como acredita que vá caminhar Dilma até o fim do mandato?
Chico de Oliveira: Vai caminhar com crises. Porque, basicamente, a crise é do lulismo. Já que o Lula, malandro como sempre, tirou o time de campo, a Dilma não tem recursos políticos. Embora a economia não estivesse tão mal nos três anos anteriores, ela não tem recursos políticos pra contornar esse tipo de problema.
O PT, na verdade, não existe. O PT é Lula. Basta ver as entrevistas de outros líderes do partido, do Rui Falcão, presidente do partido. Não dão em nada. A liderança é Lula, o governo não tem solução e ele está tirando o corpo. É uma crise administrada com pulinhos de gato.
A Dilma vai ter que se virar com isso pelo resto do mandato. Não é questão de impeachment ou renúncia. Isso é onda, como disse. Numa crise desse tamanho, não temos oposição capaz de reunir forças políticas para lidar com o problema. Os tucanos não têm credibilidade, o PT está imerso na crise e manifestações do tipo que vimos nos dias 13 e 15 são indicações da capacidade da sociedade de gritar. Mas tampouco se transformam em força política organizada para criar soluções alternativas.
Correio da Cidadania: Na linha do que o senhor mencionou, de que o PT não existe mais, como vê Lula, o lulismo e o petismo nesse novo cenário do país?
Chico de Oliveira: O PT não é mais um partido. Já foi, não é mais. O PT é uma expressão dessas forças que o lulismo agrega. Isso é lulismo. Ao invés de partido, o que existe é uma liderança personificada, que não transfere nem votos e nem capacidade de hegemonia a outras parcelas do partido. Quase todo dia vemos declarações de líderes do partido. E não dão em nada.
O Rui Falcão é patético. Porque ele diz aquelas coisas não só por obrigação, mas como tentativa política. Mas quem ouve?
Correio da Cidadania: Qual será o preço a ser pago pelo país pela impostura do PT, que usurpou a bandeiras da direita e corrompeu o sistema de representação política?
Chico de Oliveira: Nenhum! A gente gostaria, mas não se pagará preço nenhum. O preço é a mediocridade. O Brasil já é uma economia suficientemente grande pra conviver com a mediocridade. A gente sempre pensa o contrário, mas é assim. Poderíamos ter um baque feio ou uma recuperação exitosa. Nem uma coisa nem outra.
O sistema capitalista, em suas maiores expressões, mais evidentemente nos EUA e Europa, é assim. Não acaba, mas é medíocre. E nós entramos nessa, já que hoje a economia brasileira é mundialmente importante.
Correio da Cidadania: Se os mantenedores da ordem não perdem nada, a quem poderia prejudicar a atual conjuntura de “mediocridade”?
Chico de Oliveira: O PT virou isso aí, já foi. Nossos processos históricos, da economia e sociedade brasileiras, transferiram-se ao lulismo. Basta ler as declarações do Rui Falcão, que não é uma pessoa “do mal”, mas é patético. Faz declarações que não têm nenhuma repercussão, porque o sistema achou por bem encaixar todas as suas nuances dentro do lulismo. E o lulismo não vai fazer nada.
Os setores à esquerda do PT não têm força. E me incluo nisso, como integrante do PSOL. Não temos força. O PT liquidou a esquerda por algumas décadas. É muito rara essa análise na esquerda, em relação ao sistema político brasileiro: ainda há parcelas da população que fazem essa distinção entre “esquerdas”, no entanto, a maior parte não faz mais.
O importante numa luta política é ter forças capazes de desestabilizar o cenário. O PMDB nunca foi isso, pois é apenas um refúgio comum. Os tucanos não têm credibilidade popular. O PT está nessa crise toda, refém de pulinhos de gato.
O que o sistema europeu tem feito com a crise? Nada. A soma de interesses é tão forte que, ao contrário do que pensamos, de que o momento obriga soluções radicais, vemos o inverso: o sistema não suporta soluções radicais. Assim, ou vai empurrando com a barriga, o que o Lula tem de sobra, ou aguenta o tranco. Mas não há nada, infelizmente, muito dramático no sistema. Seria bom que tivesse, mas não há.
Correio da Cidadania: Você tem esperança nas movimentações e protestos sociais que têm acontecido país afora, como a que o MTST acaba de convocar para o dia 15? Como as enxerga?
Chico de Oliveira: Não. Podemos nos preparar pra isso. Aliás, eu não vou porque não tenho mais idade para essas passeatas. Mas vocês, sim. Vai ter pouca gente, na minha opinião, e não vejo condição pra se transformar em força política organizada, capaz de oferecer soluções. Durante muitas décadas, o PT, ao mesmo tempo que aproveitou a ligeira tendência à esquerda que o sistema político brasileiro apresentou, matou essa mesma tendência.
Não será, portanto, impunemente que uma tendência poderosa como essa tenha sido hegemonizada pelo lulismo. O lulismo é a conciliação, a expressão de uma convivência feliz com o processo burguês. Não tem mais nada a dar, mas tampouco há outra expressão política e social que tome o lugar do lulismo.
Correio da Cidadania: Nem mesmo o aparecimento de crescentes insatisfações de setores mais organizados de trabalhadores e um grande número de greves que se desenha para esse ano ameaçam mexer nessa tendência?
Chico de Oliveira: No meu modo de ver, não vai resultar em força política organizada pra desestabilizar o que está aí, sobretudo o PT. O PT é hegemônico dentro dessa mediocridade. Quais declarações de Lula são aproveitáveis, no sentido de indicar o comportamento do partido? Nenhuma. Ele simplesmente enrola. Em atitudes, não oferece nada.
O lulismo foi uma fase de excepcional de inclinação das pessoas, em geral, à esquerda, e que foi comida pelo próprio centro e a direita. Dentro dessa noção, tivemos também Sarney. Uma solução tancredista. Sarney conduziu um país numa fase de formação de tendência social à esquerda, da qual o lulismo se apropriou. A própria esquerda criou a expectativa de que crises resultam em modificações no capitalismo. Não é tão fácil assim.
Temos de reconhecer que, hoje, o sistema é muito forte no Brasil. Houve todo um período de consolidação do sistema desde o Sarney. O lulismo é um sarneysismo personificado. E comeu as tendências de esquerda que estavam postas no Brasil.
Fonte original: Correio da Cidadania
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